Radio CBN – 19/07/2008 – http://cbn.globoradio.globo.com – Dr. Mario Peres
Sábado, 19 de julho de 2008
Neurologista explica as causas e tratamentos possíveis para a dor de cabeça
Entrevista com Mário Peres, médico do Albert Einstein e professor de pós-graduação do curso de Neurologia e Neurociências da Unifesp.
Entrevista com o neurologista Mario Peres, do hospital Albert Einstein, que está lançando o livro com o título: Dor de cabeça: O que ela quer com você?
O título do livro faz uma pergunta sugestiva, afinal, o que a dor de cabeça quer?
Esse título tem relação com a base biológica da enxaqueca, do por que temos dor de cabeça. Então primeiro precisamos compreender que o sistema de dor é um sistema de defesa do organismo, portanto ele vai alertar para algo que não está bem. A enxaqueca como principal exemplo de dor de cabeça é uma doença multifatorial: tem um componente genético, hormonal, ambiental e também emocional, que é bastante importante. A sobrecarga de qualquer um desses sistemas pode gerar uma crise de dor.
A dor de cabeça é um pedido de socorro para que se retome o reequilíbrio do organismo, é isso?
A dor de cabeça vai sinalizar que alguma coisa não está bem.
No livro, li que há dois tipos de dor de cabeça (cefaléia): a cefaléia primária e a cefaléia secundária, que é associada há alguma doença mais grave. Como diferenciar a dor de cabeça que é uma enxaqueca, ligada a esses fatores como à ansiedade, estresse, etc., daquela que pode ser indicativa de uma doença mais grave?
A enxaqueca cursa com uma dor de cabeça que vai e volta, a pessoa tem em geral uma crise que se repete uma vez por semana, uma vez por mês e as histórias normalmente são geralmente de vários meses e anos. A crise da enxaqueca apresenta uma característica especial, é uma dor que lateja, tem mais probabilidade de vir de um lado só da cabeça, tem sintomas associados como o enjôo, incômodo com luz e com barulho. Então o conjunto dessas características faz o diagnóstico clínico da enxaqueca e também é baseado em exame clínico e neurológico que o médico deve fazer. Se estiver tudo normal o médico dá o diagnóstico de enxaqueca. Não é preciso nenhum exame para dar o diagnóstico de enxaqueca, as pessoas pensam que é necessário fazer tomografia, ressonância, em alguns casos até há necessidade, mas o diagnóstico de enxaqueca é feito clinicamente, sem nenhum exame.
E a dor de cabeça que está alertando para alguma doença, qual a característica dessa dor?
Existem diversos tipos de cefaléias secundárias, as mais comuns são aquelas dores devido a infecções, gripes, etc. É normal em febre, em quadro infeccioso. As dores mais graves oriundas de aneurismas ou tumores cerebrais são dores que tem uma piora progressiva, tem uma intensidade muito forte e aparecem associados a fenômenos neurológicos, como perda de visão, perda de força motora de um lado do corpo, ou alguma alteração do nível de consciência ou um desmaio. Se há suspeita de algum problema mais sério o médico faz uma investigação também com exames.
E sobre o uso exagerado de analgésicos?
Esse é um problema muito sério. As pessoas tomam os analgésicos de venda livre e não se atentam a uma questão fundamental que é a importância do tratamento preventivo. Se as crises de cefaléia são freqüentes, elas precisam ser tratadas preventivamente, quer dizer, um tratamento para evitar que surja a dor de cabeça e não simplesmente usar de maneira excessiva os analgésicos, como ocorre com freqüência. E os analgésicos causam dor de cabeça até rebote devido ao uso excessivo, por que os analgésicos contém cafeína, alteram o sono, deixam as pessoas mais ansiosas, trêmulas, mais irritadas, e o efeito da medicação é paleativo, não está resolvendo o problema, não tem um diagnóstico correto e o tratamento adequado. O correto é o tratamento preventivo, tanto com remédios como com medidas não medicamentosas.
Se a pessoa sente dor de cabeça freqüente, ou enxaqueca, qual é o médico que ela deve procurar?
O médico especializado na área de cefaléias é em geral o neurologista, ela deve procurar ajuda, ela precisa de um diagnóstico adequado, pode ser uma enxaqueca ou um outro tipo de cefaléia. O uso de analgésicos deve ser avaliado, se é freqüente, é necessário um tratamento preventivo.
Qual é a base do tratamento medicamentoso preventivo?
Há várias boas opções de remédios, a linha dos bloqueadores adrenérgicos, que são também utilizados para hipertensão, são remédios hipotensores. Há os antidepressivos, há também os remédios anticonvulsivantes, que funcionam bem, são chamados de neuromoduladores. Há dois tipos principais, o divalproato e o topiramato, que são os que melhor funcionam e a perspectiva de melhora é bastante boa, por um período de tratamento de alguns meses, fazendo um acompanhamento clínico. Realmente, o tratamento para enxaqueca e cefaléias recorrentes é o tratamento preventivo. Além dos remédios existem outras medidas que beneficiam como o exercício físico, relaxamento e psicoterapia.
O paciente com enxaqueca é necessariamente ansioso?
Mais do que isso. Existem três blocos de fatores do lado emocional, da esfera comportamental que são importantes. Uma é realmente a ansiedade, a expectativa apreensiva, preocupação exagerada, tensão, medos, fobias. Outra é a oscilação do humor, tanto o humor depressivo, com desânimo, quanto a alteração do humor pela irritabilidade, que também é um desencadeante importante. E um terceiro fator é a personalidade das pessoas, normalmente uma pessoa com enxaqueca tem um alto grau de exigência, uma cobrança interna exagerada, é muito centralizadora, então a soma desses três aspectos em geral é bastante comum nos pacientes com enxaqueca. Há uma questão comportamental que precisa ser diagnosticada e tratada.
É curioso porque uma das epígrafes no livro fala exatamente sobre isso, um paciente que comentou que a dor de cabeça dele é proporcional a indignação que ele tem, então, de fato, como a gente vive nessa vida realmente com bastante sobrecarga, com bastante elementos de ansiedade e preocupação, temos que aprender a lidar muito bem com esses fatores.
Qual a relação da dor de cabeça com a alimentação, por exemplo chocolate?
Existe uma relação sim, existem diversos fatores alimentares, inclusive uma das ferramentas interessantes que a própria pessoa pode se utilizar, para tentar descobrir os fatores desencadeantes das crises de enxaqueca é o uso do diário (veja no site www.cefaleias.com.br). Ele pode ser preenchido, para observarmos as crises, a intensidade das crises e os fatores que foram deflagradores delas. Dos fatores alimentares, o jejum, a ingestão de bebidas alcoólicas, o uso excessivo da cafeína, adoçantes como aspartame e também o chocolate. O chocolate pode desencadear a dor, mas tem uma curiosidade, que é na verdade um mito, porque numa fase antes de ter dor a pessoa pode ter simplesmente a vontade de comer doce, que é um fenômeno chamado de pródromo, que já é a crise da enxaqueca, mas numa fase ainda sem dor. Então essa vontade de comer doce, ou chocolate já se inicia, e a pessoa já teria de qualquer forma uma crise de enxaqueca após isso. A pessoa confunde achando que foi o chocolate que causou esta dor, mas muitas vezes é simplesmente o pródromo e não foi exatamente o chocolate que causou a crise de enxaqueca.
Quer dizer que a enxaqueca já manda um recado antes da dor se manifestar já tem algum sintoma de que a dor está a caminho?
Há uma série de avisos, o bocejo, a irritabilidade, o incômodo com a luz, com barulho, enjôo e também essa vontade de comer doce. E há um outro fator chamado de aura. A aura visual se manifesta por alterações visuais, como pontos escuros, pontos luminosos que precedem a dor e depois disso a crise se manifesta.