DESTAQUES DO 14 CONGRESSO INTERNACIONAL DE CEFALEIAS, FILADÉLFIA -2009.
Mario F P Peres
Pesquisador Senior do IIEP – Instituto do Cérebro – Hospital Albert Einstein
Professor do curso de pós-graduação em Neurologia –Neurociências da UNIFESP
Professor de Neurologia da FMABC
Endereço Al Joaquim Eugenio de Lima, 881 cj 708
01403-001 Sao Paulo SP
Aconteceu de 10 a 13 de setembro de 2009 na Filadélfia, Estados Unidos, o 14 congresso internacional de cefaleias, evento conjunto da sociedade internacional de cefaleias e da american headache society.
A participação dos brasileiros, embora menor que em outros anos, foi boa. Posters foram apresentados, aulas no programa foram dadas, participou-se de reuniões administrativas. Dr Abouch foi o representante da Sociedade Brasileira de Cefaleia na reunião da IHS. Dr Maurice Vincent deu duas aulas no programa do congresso, sobre cefaleia cervicogênica e sobre cefaleias indometacino-responsivas com a experência do grupo de Trondheim desde a descrição das síndromes, Dr Mario Peres participou do julgamento das pesquisas apresentadas.
O Dr Speciali levou ao congresso seus estudos sobre disfunção temporo mandibular e associação com cefaleia, mostrando que a DTM está associada a gravidade e frequência das cefaleias (poster n 149). Em estudo populacional em 1230 indivíduos, foi encontrada associação de sintomas de DTM com enxaqueca e cefaleia crônica diária, podendo a presença de DTM ser um fator de cronificação para enxaqueca(poster n 124). Também do grupo de Ribeirão Preto a dra Debora Bevilaqua-Grossi apresentou os dados de pesquisa sobre o limiar de pontos dolorosos em pacientes mulheres com enxaqueca, enxaqueca crônica, e controles, o limiar foi reduzido em pacientes comparados com controles (poster n 201).
Dr Marcelo Valença mostrou os resultados de sua pesquisa com tratamento da enxaqueca com baixas doses de propranolol e amitriptilina e a correlação com a produção de óxido nítrico, mostrando eficácia do tratamento e o efeito na redução dos níveis de NO (poster 60). Em estudo similar a prevenção com doses baixas de pizotifeno mostrou-se comparada a ação da amitriptilina como controle ativo (poster 65). Também apresentou a pesquisa com o tratamento da síndrome pré-menstrual com vitamina b6 600mg ao dia em 35 mulheres sendo eficaz e não levando a neuropatia induzida pela toxicidade da vitamina (poster 207). Descreveu também a “alarm-bell headache” uma cefaleia em pontadas secundária a doenças intracranianas como adenoma de hipófise, meningeoma, aneurisma cerebral e tumores cerebrais (poster 382).
Dr João José de Carvalho apresentou a frequencia de mulheres com enxaqueca que usam a cefaleia como desculpa para não fazer sexo, mostrando que os índices de tal ocorrência são baixos, o oposto do que usualmente pensamos (poster 202). Mostrou também em conjunto com Dr Paulo Monzillo os resultados do dia nacional da cefaleia, foram coletados dados de 142 pacientes, a maioria deles (85%) tiveram diagnóstico de enxaqueca (poster 144). Dr Monzillo também apresentou 4 pacientes com neuralgia occipital e ativação trigeminal autonômica, mostrando a correlação fisiopatológica entre o complexo cervico-trigeminal (poster 251).
TRATAMENTO DE CEFALEIA REFRATÁRIA COM NEUROESTIMULADORES
Palestra dada pelo Dr Jean Schoenen, no congresso internacional de cefaleias, filadelfia, 11 de setembro de 2009, falou sobre o conceito de cefaleia refratária, cefaleia em salvas, enxaqueca, cefaleia crônica diária, cefaleia tensional. A seguir falou sobre sua experiência no tratamento da cefaleia em salvas crônica refratária com DBS, deep brain stimulation, porém como sabe-se o implante do DBS tem riscos, ocorreu uma hemorragia intraparenquimatosa fatal em um paciente além de outras complicações, além de revelar que em um período de 6 meses de observação de pacientes chamados refratários, muitos deixaram de ser, devido ao manejo adequado dos pacientes.
Mostrou dados sobre o estimulador do nervo occipital (occipital nerve stimulator) em pacientes com cefaleia em salvas, estando 4 pacientes sem dor, 4 com raras dores, 2 com 25 a 40% de melhora e 3 sem resposta positiva, no total de 12 pacientes 9 mostraram-se satisfeitos com o tratamento, o mesmo que Goadsby em sua casuística mostrou (7 satisfeitos em 8 tratados). Saper em 2008 mostrou no AHS com o estudo ONSTIM que em 66 pacientes com enxaqueca crônica tratados com o estimulador occipital houve para o desfecho de 50% de redução um resultado significante.
O neuroestimulador pode ser usado em nervo occipital, mas também no nervo supraorbital. Goadsby publicou recentemente resultados em hemicrania continua, e também com o estimulador Bion.
Outras possibilidades no tratamento com estimuladores é o aparelho de VNS (vagus nerve stimulation), o estímulo do ganglio esfenopalatino, o aparelho Cephaly (supraorbital surface electrotherapy) e a TMS (transcranial magnetic stimulation) ou EMT (estimulação magnética transcraniana) repetitiva. Estudos ainda aguardam resultados para saber o exato papel destes novos tratamentos para cefaleias, enxaqueca.
NOVOS TRATAMENTOS PARA ENXAQUECA
Novos tratamentos para enxaqueca, ou “pipeline for headache treatments”, foi apresentado pelo Dr Goadsby. Ele focou principalmente as novas opções não só de remédios para enxaqueca, mas de outros tipos de tratamento como a toxina botulínica, botox, estimulação magnética transcraniana, TMS, neuroestimuladores, neuroestimulador occipital, neuroestimulador supraorbital. Entre os novos remédios, Dr Goadsby falou sobre os agentes de serotonina como os que atuam nos receptores 5HT1 F, como é o COL-144, com potencial para boa resposta, sem efeitos colaterais dos triptanos, rizatriptan, maxalt, zolmitriptan, zomig, naratriptan, naramig, sumatriptan, sumax, imigran.
Folou-nos também sobre o tonabersat, que age na aura da enxaqueca, com resultado significante para pacientes com enxaqueca com aura, mas sem utilidade em enxaqueca sem aura.
Os antagonistas de CGRP, olcagepant, telcagepant, já bem estudados, em fase de aprovação pelo FDA, porém os dados de hepatotoxicidade ameaçam a liberação desta nova medicação para o tratamento aguda da enxaqueca.
Os novos resultados positivos do botox para enxaqueca crônica animam quanto à possibilidade de liberação deste tratamento para enxaqueca que já algum tempo vem sendo utilizado, mas ainda numa decisão caso a caso, sem ter uma aprovação genérica para um tipo de cefaleia. Os índices de resposta ao placebo são altos, porisso os resultados muitas vezes não são significantes.
Inibidires do glutamato são novas medicações que podem ser úteis no tratamento da enxaqueca, já que o glutamato vem sendo envolvido cada vez mais nos mecanismos da enxaqueca.
Aparelhos como o TMS (EMT) estimulação magnética transcraniana vem sendo estudada, no Hospital Albert Einstein em São Paulo um estudo está sendo conduzido, o tempo mostrará qual o papel deste método de tratamento para enxaqueca. Os neuroestimuladores vem sendo também estudados, o método Bion foi citado pelo Dr Goadsby como promissor.
CEPHALAGIA AWARD
A conferência “Cephalalgia Award” o prêmio para o melhor estudo foi dada pelo Dr. Keneeth Reed. Neuroestimulador occipital e supraorbital para enxaqueca foi usado em 7 pacientes, o procedimento foi de fácil colocação, sem grandes efeitos colaterais, o mais importante é a parestesia concomitante.
Seis de sete pacientes tiveram excelente resposta, com diminuição completa da dor, e diminuição da medicação preventiva.
Esta é uma esperança para pacientes com enxaquecas refratárias, mias estudos deves ser feitos para melhor entendimento do papel dos neuroestimuladores em pacientes com cefaleias.
NEUROIMAGEM EM DOR
Uma das aulas de maior destaque foi a do Dr Vania Apkarian professor da Northwestern University que mostrou uma série de informações relevantes para as cefaleias porém de estudos que foram feitos em outras condições dolorosas. Ao analisar uma meta-análise de 98 estudos com neuroimagem em dor, sendo 60 deles avaliando dor em voluntários sadios, evidencia uma rede neural envolvida em dor aguda, os principais componentes são: cortex somatossensitivo primário e secundário, insula, cingulado anterior, e cortex pré-frontal, e tálamo. Dr Apkarian mostrou também a literatura de neuroimagem e dor crônica que abserva em diferentes tipos de dor uma atrofia cortical em diversas áreas, como o cortex pré-frontal. Em estudos de ressonância magnética funcional (RMf) interessantemente a intensidade da dor referida pelo paciente correlacionou com a atividade cerebral, ou seja, quanto mais dor mais ativação das áreas da dor, demostrando com bases neurais que o que o paciente relata é real. O mesmo foi encontrado com relação ao tempo de história da dor, quanto maior tempo de história maior ativação, poderíamos com a RM funcional dizer quanto o paciente tem de dor e há quanto tempo! Os estudos em dor crônica mostram que as vias neurais estão ligadas ao self (eu), consciência de si mesmo [1].
Dr Coghill, em uma interessante palestra mostrou como a dor pode ser modulada pelo sistema de expectativa. Mostrou em seus estudos que as pessoas mais sensíveis À dor percebem os sintoma de maneira diferente, mais acurada, com mais ativação do cortex somatossensitiva, quanto maior a sensibilidade do paciente. Mostrou sua casuística de pacientes que tiveram uma lesão na insula por AVC e tiveram alterados os padrões de avaliação da dor. Outro dado importante que o dr Coghill nos trouxe foi a correlação de modulação da dor com a expectativa. Em artigo publicado no PNAS por Koyama[2], ficou demosntrado que nossa experiência subjetiva de dor é tremendamente afetada pela expectativa de que tipo de informação sensitiva está por vir. Quanto maior a expectativa de dor, mais ativação ocorreu no tálamo, insula, cortex pré-frontal e cortex cingulado anterior. A sensação da dor foi sobreposta às áreas da insula e cortex cingulado anterior. Quando a expetctativa foi manipulada, a experiencia subjetiva da dor reduziu, assim como as áreas cerebrais ativadas. O estudo mostra que a representação mental da expectativa de alguma sensação modula e formata os processos neurais que mediam a experiência sensitiva, portanto, expectativas positivas podem diminuir a gravidade de sídromes dolorosas crônicas como as cefaleias, enxaqueca.
GENÉTICA DA ENXAQUECA
Dr van der Maagdenberg de Leiden na Holanda fez um resumo dos avanços genéticos na enxaqueca.
Mostrou que vários são os genes candidatos para a enxaqueca porém não há um único gene que seja predominante, até agora são 94 genes candidatos. Sabe-se que a genética na enxaqueca explica apenas parte da doença, estima-se que 25 a 50% da doença tenha implicação genética, muitos fatores ambientais e comportamentais acabam predominando em alguns pacientes. O site http://hugenavigator.net atualiza sempre as pesquisas genéticas em várias condições, é uma boa referência para consulta.
Os genes já estudados que apontam alguma importância na enxaqueca são os genes: 1, 4, 5, 6, 10, 11, 14, 15, 19 e X.
Dr Arn mostrou que em uma meta-análise recente o gene da MTHFR (metileno tetrahidrofolato redutase) mostrou-se significante na enxaqueca, ao passo que o gene da serotonina HTR2C foi negativo, porém estes estudos não particularizam os tipos diferentes de enxaqueca. O que a genética nos mostra é mais um exemplo, uma comprovação que a enxaqueca é uma doença multifatorial, com vários componentes envolvidos, temos que no futura aprender a particularizar os subtipos de dor de cabeça, por manifestação clínica, por associação com comorbidades e assim termos mais informaçãoes sobre os padrões genéticos das doenças.
LESÕES EM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DE PACIENTES COM ENXAQUECA: O ESTUDO CAMERA II
Dr Michel Ferrari foi premiado com a conferência “International Headache Society Special Lecture” e falou sobre o estudo CAMERA II.
Lembrando do estudo CAMERA I[3-5], que mostrou dados importantes para o entendimento dos mecanismos da enxaqueca, analisando 295 exames de ressonância magnética sendo 140 controles, 161 pacientes com enxaqueca sem aura e 134 com enxaqueca com aura. Foram observados 4 achados no estudo: 1. Presença de lesões de substância branca em pacientes com enxaqueca, sendo mais frequentes quanto maior a frequência das crises de dor de cabeça. 2. Mais lesões isquemicas na circulação posterior (cerebelo) em pacientes com enxaqueca com aura, 3. mais depósitos de ferro e 4. mais lesões pontinas em pacientes com enxaqueca.
O estudo CAMERA II foram re-estudados 114 pacientes com enxaqueca com aura, 89 com enxaqueca sem aura e 83 controles,porém foram avaliados testes cognitivos, provas cerebelares, presença de shunt direito esquerdo, além de avaliação clínica e de ressonância magnética (RM). Não houve diferença na progressão das lesões de substância branca no cérebro dos pacientes (também descritas como gliose) em geral, porém em mulheres com enxaqueca com aura a progressão foi maior, o estudo apresentado ainda não está completo em sua análise, teremos que aguardar mais tempo para melhor definição.
Em relação a progressão das lesões isquÊmicas da circulação posterior (AVC) em enxaqueca, pode ser observada um aumento, os autores falam em progressão, mas na realidade não há uma análise intraindivíduo para se definir exatamente se há ou não progressão, além disso a população de pacientes com enxaqueca tinham um perfil cardiovascular pior, ou seja, mais predispostos a progressão das lesões vasculares.
O estudo CAMERA II mostrou também evidência populacional de ligação de enxaqueca com shunt direito-esquerdo. Também como resultado do estudo CAMERA II, foram observados pacientes com enxaqueca com aura, enxaqueca sem aura e controles que realizaram exame de doppler transcraniano para avaliar a presença de shunt direito-esquerdo. O shunt D-E foi achado em 52% dos pacientes com enxaqueca, 60% em enxaqueca com aura, sendo 46% de shunts de moderado para grande, comparado com 29% na população de controles.
O estudo CAMERA II deve nos fornecer mais dados importantes para a compreensão da enxaqueca.
REFERÊNCIAS
1. Apkarian AV: Pain perception in relation to emotional learning. Curr Opin Neurobiol (2008) 18(4):464-468.
2. Koyama T, McHaffie JG, Laurienti PJ, Coghill RC: The subjective experience of pain: where expectations become reality. Proc Natl Acad Sci U S A (2005) 102(36):12950-12955.
3. Kruit M, van Buchem M, Launer L, Terwindt G, Ferrari M: Migraine is associated with an increased risk of deep white matter lesions, subclinical posterior circulation infarcts and brain iron accumulation: the population-based MRI CAMERA study. Cephalalgia(2009).
4. Kruit MC, Launer LJ, Ferrari MD, van Buchem MA: Infarcts in the posterior circulation territory in migraine. The population-based MRI CAMERA study. Brain (2005) 128(Pt 9):2068-2077.
5. Thijs RD, Kruit MC, van Buchem MA, Ferrari MD, Launer LJ, van Dijk JG: Syncope in migraine: the population-based CAMERA study. Neurology (2006) 66(7):1034-1037.
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